Chefs renomados do Brasil se reuniram para debater estratégias para elevar a cozinha nacional ao patamar de expressão cultural e mostrar que “Somos mais que futebol e boa música”, como disse a chef Morena Leite.
A discussão foi o tema central do Festival Fartura, realizado no Instituto Cultural Inhotim (MG) entre 29 de maio e 1º de abril.
Para nortear a conversa, cinco profissionais da alta gastronomia foram convidados para defender suas respectivas regiões, trazendo as singularidades culinárias e culturais locais. Janaína Rueda, Saulo Jennings, Paulo Machado, Manu Buffara e Morena Leite foram os chefs escolhidos para representar o Sudeste, Norte, Centro-Oeste, Sul e Nordeste, respectivamente.
Em parceria com o Ministério das Relações Exteriores, os chefs foram escolhidos como embaixadores do ‘Brasil em Sabores’, lançado no último dia 30.
O programa é uma iniciativa do Itamaraty, em parceria com o Instituto Capim Santo — comandado por Morena Leite — que irá começar o processo de difundir a gastronomia nacional dentro de 160 embaixadas brasileiras espalhadas pelo mundo.
“Oferecer almoços oficiais, coquetéis e recepções fazem parte da prática diplomática, mas hoje não oferecemos a hospitalidade brasileira nestes eventos.”, comenta Adam Jayme, diplomata e um dos responsáveis pelo programa Começar pelas ‘casas’ brasileiras no Exterior, que é uma estratégia para atingir diplomatas, políticos influentes e formadores de opinião e incentivar o reconhecimento das técnicas e ingredientes brasileiros para ser consumido não apenas fora do país, mas também tem o objetivo de fomentar a busca do país enquanto um destino de turismo gastronômico.
“Nós não existimos no cenário de turismo internacional gastronômico. Esta é como se fosse uma das iscas que a gente vai buscar para trazer mais pessoas para visitarem o país.”, comenta Saulo Jennings.
Um dos principais desafios do grupo é conseguir levar a pluralidade e riqueza da culinária brasileira nos menus que serão servidos nas embaixadas.
Diante da provocação, destaca-se o resgate de um ingrediente nacional e usado em receitas de diferentes naturezas e presente desde as mesas mais abastadas até as mais humildes: a mandioca.
A raiz protagonizará os cardápios com entrada, petisco, prato principal, bebida e sobremesa, pensado pelos chefs e seus pupilos.
A escolha não é à toa: Ao fim da programação, foi lançado o ‘Manifesto Maniba’, que pauta os pilares da sustentabilidade, criatividade, afeto, inclusão social e diversidade cultural, e destaca os futuros benefícios que a internacionalização da gastronomia pode trazer em termos internos e locais.
“Vamos ficar muito felizes ao ver que nossa gastronomia também dá orgulho aqui dentro.”, comenta o chef pantaneiro Paulo Machado.
Morena Leite considera que o maior estímulo do programa é articular internamente para encontrar uma forma de comunicar que a culinária brasileira é tão plural e diversa. “Nós somos muito grandes e tivemos que definir um tema para que a gente seja lembrado.”, diz.
Acho que quando chegamos ao consenso sobre o que é a mandioca e os seus derivados, encontramos um ingrediente que simboliza a nossa riqueza e a nossa diversidade, a pluralidade do Brasil acolhe muitas origens e muitas raças isso nos torna único”., completa Morena.
Mais do que levar menus brasileiros e colocar nomes nacionais simplesmente para cozinhar no Exterior, os chefs almejam também tirar ingredientes e técnicas brasileiras e populares do lugar do exótico ou incomuns.
O relato de viagens internacionais com malas repletas de insumos violadas em aeroportos é comum no ambiente gastronômico, mas o anseio é que, a longo prazo, tanto nossos produtos quanto nossas técnicas sejam usados e divulgados internacionalmente — assim como acontece como a culinária peruana, tailandesa ou espanhola hoje.
Janaína Rueda, à frente da premiada Casa do Porco e do bar Dona Onça, endossa o desejo de ver métodos usados na cozinha popular brasileira sendo tão reconhecidos como as técnicas da gastronomia francesa, como o corte julienne ou o flambé.
“Precisamos levar o popular para a cozinhar profissional e abrasileirar as nossas técnicas, sem ter vergonha. Tenho o sonho de ver técnicas genuinamente sendo feitas pelo mundo, como refogar, assar e os cortes diferentes que só nós temos.” , declara Janaína.
Além das mesas de debate que oficializaram o lançamento do programa e o lançamento do manifesto, a primeira edição presencial do Fartura desde o início da pandemia também contou com cozinha ao vivo com chefs convidados locais e de outras regiões do Brasil, além de feiras rotativas com produtores locais e apresentações musicais ao vivo, e reuniu mais de 2 mil pessoas ao longo de três dias de evento.