Dos ritos do dia a dia, tomar uma ou mais xícaras de café, principalmente pela manhã, mas também após o almoço ou à tarde, é momento sagrado.
Na rotina do designer Marcelo Cardoso, 40 anos de idade, por exemplo, a popular bebida ajuda a despertar e traz sensação de melhora da capacidade de atenção. “Eu só não posso tomar muito a partir de 15h, porque acaba atrapalhando meu sono.”, pondera.
O cozinheiro Antônio da Conceição, 60 anos de idade, é outro consumidor assíduo de um bom cafezinho, preferencialmente passado na hora. Ele também acredita que a substância faz bem. “Na medida certa, acho que é um hábito benéfico. Só não pode é exagerar.”, opina.
Aparentemente, essa percepção popular de que o café pode favorecer a saúde e o bem-estar é ratificada pela ciência.
Pelo menos é o que indica um estudo publicado recentemente pela revista médica “Annals of Internal Medicine”, ligada à American College of Physicians, que concluiu que o consumo moderado de café, adoçado ou não, está associado à diminuição da mortalidade.
Vale dizer que revisões de pesquisas sobre o tema apontam que, quando se fala em moderação, estamos falando de uma a quatro xícaras diárias – o equivalente a, no máximo, 400 mg de cafeína por dia.
Nessa proporção, há evidências que, apesar de não serem definitivas, indicam que os adeptos do cafezinho podem ter um risco menor de problemas de saúde como obesidade, certos tipos de câncer e diabetes tipo 2 – doença crônica que afeta a forma como o corpo processa o açúcar no sangue.
Em um editorial sobre a pesquisa, Christina Wee, professora associada de medicina da Harvard Medical School e editora adjunta do “Annals of Internal Medicine”, destacou que, embora não conclusiva, a investigação descobriu que o consumo moderado de café, mesmo com adição de açúcar, provavelmente não é prejudicial para a maioria das pessoas e parece estar associado a uma redução de 30% no risco de mortalidade.
“Essas descobertas sugerem que as pessoas que bebem café podem continuar a fazê-lo sem motivo de preocupação, o que é uma boa notícia para uma grande parte da população.”, escreveu.
A apuração incluiu mais de 170 mil participantes, que não tinham diagnóstico de doença cardiovascular ou de câncer quando começaram a ser acompanhados. O prontuário médico deles foi analisado por, em média, sete anos.
Componente social
Mais que apenas uma bebida desejada por possuir alguns nutrientes e a famigerada cafeína, o café também deve ser analisado sob o prisma do comportamento, uma vez que é parte intrínseca do conjunto de costumes, hábitos e cultura de diversos povos.
Tomar com calma um cafezinho, preferencialmente fumegante, é algo que compõe o etos da mineiridade, para ficar em um exemplo local.
Prova disso é a fama, várias vezes reiterada, de que o mineiro é tão hospitaleiro que o coado sempre se faz presente para acompanhar a boa prosa.
“Trata-se de uma bebida que, por uma série de fatores socioculturais, está relacionada a identidades regionais, e, há muito tempo, funciona como um meio de facilitar o estreitar de laços.”, analisa a turismóloga Izabella Torres.
Mas é também verdade que nem todos são conquistados pelo resultado da infusão dos grãos torrados e moídos logo após o primeiro gole.
Caso dela própria, que só foi descobrir o amor pelo café quando iniciou um estágio obrigatório da graduação em turismo, que ela cursou pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Na ocasião Izabella passou um mês estudando o potencial turístico de cidades adjacentes ao leito do rio Doce.
“Fizemos visitas em fazendas com todo tipo de produção.”, lembra, citando que, em meio à profusão de cachaças, rapaduras, queijos e doces, foi na bebida que ela encontrou unidade.
“Dos ranchos mais opulentos aos mais humildes, em todo lugar a que fomos, tínhamos que tomar cafezinho.”, recorda. Era enquanto bebericava o coado que a conversa se desenrolava. “Era nessas horas que sabíamos as histórias, e, assim, descobri o potencial da bebida em termos de sociabilidade.”, pontua.
A partir de então, os grãos passaram a fazer a cabeça de Izabella, que, no trabalho de conclusão de curso, se voltou a eles.
“Estudei o ‘evento café’ como momento de interação entre o visitante e o visitado.”, explica, admitindo que o interesse pela substância foi tanto que, esporadicamente, ela faz cursos, e, claro, explora sabores, origens, formas, e, de tanto gosto, acabou tatuando a planta no braço.
“Não só é uma bebida muito rica, com grande quantidade de aromas, torras, grãos, como também representa essa possibilidade, a de me descobrir no encontro com o outro.”, justifica.