Passar a fazer uso de hábitos saudáveis não é uma tarefa tão fácil quanto parece. Porém, é essencial que eles sejam adotados.
Corro ao menos quatro vezes por semana, na rua mesmo, perto de minha casa. É um hábito que adquiri há alguns anos e faz bem não só para o meu corpo e meus joelhos, mas também para minha mente e sua produção de pensamentos ansiosos.
Não foi assim de uma hora para outra que consegui trazer esse movimento para a minha vida.
Na verdade, lá no começo, eu tinha muita preguiça de sair de casa. Dava desculpas para não ir, usava o cansaço como justificativa e vira e mexe repetia para mim mesma: “Ah, amanhã eu começo outra vez”.
Aí passava a quarta, chegava a sexta e nada. Por mais que a inércia me incomodasse um pouco, só entendi a importância daquela ação tão negligenciada quando senti fisicamente a sua falta, enquanto, entre falhas e acertos, ela tentava se estabelecer em minha rotina.
Fui percebendo que os dias sem corrida, por exemplo, eram finalizados com mais desassossego. Enquanto aqueles com maior mobilidade me traziam uma sensação de alívio.
Entendi, assim, que eu precisava daquela dose de autocuidado para me fortalecer.
Com isso, bem aos poucos, fui adicionando mais quilômetros aos meus percursos. Ver essa evolução me ajudou a perceber a importância da manutenção daquele costume.
Assim como a necessidade de incluir outros e cuidar deles para que não se perdessem em meio à travessia, entre minhas tarefas e meus dias de maior desânimo.
Essência do hábito
Um hábito é uma prática, uma ação que vamos repetindo ao longo da vida, até se tornar parte de nós. Ele pode ser bom, ruim, e, algumas vezes, é reproduzido em nossa caminhada de forma automática, quase inconsciente.
Mas também existem aqueles hábitos, como no meu caso com a corrida, que são conquistados a partir do nosso movimento, da nossa intenção e do nosso esforço.
Acontece que mudar ou adquirir algum costume que seja duradouro não é tão rápido nem fácil como desejamos na maioria das vezes.
Quando nos forçamos a modificar algo de maneira brusca, corremos um grande risco de não prosseguir naquilo e, muitas vezes, desistimos e criamos certa resistência a determinada atividade.
Agora, olhando assim para todas essas questões, eu me pergunto daqui: Dá para de fato mudar antigos hábitos e construir novos em nosso dia a dia, de uma forma mais saudável? Bem, eu acredito que sim.
Compreender para mudar
É possível, sim. Para nos ajudar a entender melhor como podemos fazer isso, eu conversei primeiro com o Werther Busato.
Ele é médico clínico, especializado em Medicina Preventiva e Saúde do Trabalho. Em suas consultas, ele preza muito por atendimentos mais humanizados, que entregam bem-estar e cuidado aos pacientes, além de proporcionar ajuda para que cada um identifique e foque na sua melhora de vida, a partir da transformação de comportamentos que sejam prejudiciais ou pouco saudáveis.
Segundo ele, a formação de um hábito se dá principalmente pelo exercício da repetição. “Quanto mais você repetir uma atividade, mais a estrutura do seu cérebro muda para se tornar eficiente nela.”, afirma.
Ele disse que os neurocientistas chamam isso de potenciação de longa duração, que é o fortalecimento das conexões entre os neurônios do cérebro com base nos padrões recentes de atividades.
A cada repetição, portanto, a sinalização entre as células melhora, e as conexões neurais se fortalecem.
Além disso, Werther me explicou que a introdução de um novo costume em nossa vida também está ligada à nossa busca por satisfazer algum mecanismo de recompensa cerebral e isso gera, por exemplo, a produção de dopamina, que é conhecida como um dos hormônios da felicidade.
“Sabemos que o nosso transmissor dopaminérgico é o responsável pela nossa sensação de prazer e recompensa, e é de extrema importância para nossa sobrevivência.”, explica.
Leis para formação de um hábito
Werther me contou sobre quatro leis fundamentais para a criação de um hábito: a primeira é torná-lo claro. A segunda, fazer com que seja atraente. A terceira: precisa ser fácil. E a quarta e última: satisfatório.
Ou seja, de nada adianta tentarmos incluir um hábito em nossa vida se ele não tiver algum propósito maior para nós. Porque não vai dar certo.
Fazendo isso, nos forçando a nos encaixar, a chance de darmos de cara com a frustração aumenta consideravelmente. Assim, acabamos desistindo antes mesmo de começar.
Nós não queremos isso, não é? “As pessoas mudam seus hábitos de várias maneiras e por inúmeros motivos. E para isso é preciso motivação, treinamento, autoavaliação e reconstrução do comportamento.”, pontua Werther.
Medo não sustenta hábitos
O neurocirurgião Sanjay Gupta fala sobre algo parecido a Werther em seu livro Mente Afiada (Sextante). De acordo com ele, um mau hábito praticado em exagero pode alterar o funcionamento do nosso cérebro, sobretudo a capacidade da nossa memória.
Sanjay diz também que não é eficaz motivar alguém a se movimentar a partir do medo porque isso não funciona nem dura muito tempo.
No livro, ele explica que, quando se assusta uma pessoa, ativamos nela uma estrutura chamada amígdala, que é o centro emocional do nosso cérebro.
“Uma ação que começa no centro emocional do cérebro também se desvia das áreas cerebrais de avaliação e função executiva. Em consequência, a reação costuma ser intensa e imediata, mas descoordenada e transitória.”, afirma Sanjay.
Para entendermos melhor, ele dá este exemplo aqui: “Dizer às pessoas que, se não emagrecerem, provavelmente terão um enfarte pode resultar em uma única e intensa semana de dieta e exercícios seguida pelo retorno abrupto aos velhos maus hábitos.”
Para que isso não aconteça, Sanjay sugere que conheçamos os nossos hábitos cotidianos para, então, investir nossos esforços em transformações de maneira mais assertiva, de acordo com nossa realidade e possibilidades.
“Saber o que quer mudar envolve autoconhecimento e a necessidade de traçar estratégias para chegar lá.”, afirma.
Começar pequeno
Tendo em mente o que queremos criar ou transformar, podemos partir para uma outra questão: o tempo. E a compreensão de que as mudanças mais profundas e efetivas vão acontecendo gradativamente, de grão em grão, como dizem.
Isso vai bem além da força de vontade: mudar um hábito demanda paciência, constância e depende bastante do nosso envolvimento, da nossa dedicação, e, principalmente, da consciência sobre a importância da manutenção dele.
Eu não vou conseguir correr dez quilômetros de primeira. Mas posso começar por dois, aumentar para quatro depois de um certo tempo, e, assim, de pouquinho em pouquinho, chegar ou ultrapassar os dez desejados lá no começo.
Guiada por essa motivação e pelo que me é possível, respeito meus limites e vou alcançando novas metas dia após dias, sem forçar meu próprio corpo e sem correr o risco de desistir amanhã por sentir muitas dores, por exemplo. Percebe a diferença?
Inserindo criatividade na rotina
“Começar pequeno nos faz apreciar a jornada e aprender no caminho.”, observou a Larissa Rodrigues. Ela é mãe, publicitária e fundadora da plataforma Hábitos que Mudam, uma comunidade criada em 2017, com a ideia de compartilhar formas de planejar e organizar a rotina para viver além das obrigações.
Na época, a Larissa estava grávida, prestes a entregar seu Trabalho de Conclusão de Curso na faculdade, tinha sido promovida e morava muito distante do trabalho.
Um turbilhão de acontecimentos. “Eu queria compartilhar ferramentas e dicas que ajudassem a transformar a rotina engessada numa rotina criativa.”, conta.
Em um perfil no Instagram, Larissa dá dicas para nos ajudar a experimentar novos hábitos, além do incentivo a uma rotina mais criativa, com check-lists e tarefas simples para nos motivar a seguir, provando que mesmo uma pequena, como a organização de uma gaveta ou de um único cômodo da casa, faz muita diferença.
O conteúdo também se desdobrou no livro Rotinas Criativas e Hábitos que Mudam (Editora Galera).
“Sempre que criamos metas maiores e mais complexas, exigimos de nós uma performance sobre-humana. Considerando as mulheres, isso é se sobrecarregar demais, já que temos normalmente rotinas duplas e até triplas.”, observa Larissa.
Para ela, os nossos hábitos também dependem diretamente de uma mente que vê a criatividade em tudo.
É pensando de forma mais criativa que saímos da inércia e encontramos soluções simples para nós mesmos.
“Quando vivemos a vida com criatividade, deixamos o espaço seguro para erros e largamos a busca pela perfeição. Sabemos que o objetivo é testar e se aperfeiçoar.”, pontua.
Nutrindo os hábitos
Ah! E não podemos nos esquecer: uma vez identificados e estabelecidos, também precisamos nutrir nossos hábitos e alimentá-los com estímulos, incentivos e pequenas celebrações diante de cada conquista.
Se hoje você tomou mais água e se alimentou melhor, isso é um avanço. Comemore! Se, por um dia, você conseguiu se distanciar de um hábito incômodo e isso te fez bem, ponto para você!
“Além de se organizar e se planejar, precisamos avaliar a nossa realidade, respeitar nossas dificuldades e comemorar nossas pequenas vitórias.”, aconselha Larissa.
Ao celebrarmos esses passos, incentivamos nossa mente a reproduzir aquilo que trouxe satisfação ao nosso corpo e nossas emoções, então, estamos prontos para desfrutar dos novos hábitos e torná-los cada vez mais costumeiros.
Por fim, mais do que inserir novos hábitos em nossa vida, também é importante nos despedir daqueles outros, chatos, que nos incomodam tanto.
É que, quando mandamos embora aquilo que não condiz mais com o que somos, abrimos espaço para a construção de novos costumes e novos comportamentos, essenciais para o nosso desenvolvimento pessoal e emocional.
“Acredito que, para incluir hábitos novos, primeiro precisamos nos convencer deles. É que muitas vezes começamos algo sem pensar muito. E esse movimento dificilmente consegue se manter.”, reforçou a terapeuta holística e ativista da prosperidade emocional, Fernanda Lisbôa.
Para ela, é fundamental cuidar de nossos pensamentos e quereres para saudar um novo hábito e sempre levar em consideração o todo que somos, sem nos dividir.
“Incluir nossa mente, corpo e espírito. Não ignorar que somos complexos e que podemos mudar quantas vezes quisermos. Acredito que seja um caminho possível.”, explicou.
Construindo hábitos emocionais saudáveis
Fernanda também chama atenção para um outro lado, tão necessário como todos os pontos que falamos até aqui: a construção de hábitos emocionais mais saudáveis.
De acordo com ela, corpo, mente e espírito são um conjunto. E se faz cada vez mais precioso passar a pensar neles como um time unido e sincronizado.
“Quando pensamos em hábitos saudáveis, a primeira coisa que aparece em nossa mente são exercícios físicos, alimentação. Tudo voltado só para o corpo.”, explica Fernanda.
Ela completa: “Quando, na verdade, hábitos saudáveis também podem ser hábitos emocionais mais saudáveis. Como procurar resolver problemas simples de forma mais calma e amorosa, por exemplo.”, observa.
Entendemos mais uma vez que, em todo movimento da vida, o autoconhecimento e o autoamor são fundamentais para seguirmos firmes entre nossas escolhas, arcando com as consequências e as positividades das mudanças que tanto precisamos e desejamos.
Fazer um exercício de percepção de nós mesmos, ponderando quais hábitos desejamos trazer para a vida, é um trabalho minucioso, individual e pode até ser incômodo algumas vezes, já que olhar para nós e nos enxergar é algo que ainda fazemos pouco em meio à nossa rotina.
Mas é tão valioso para, enfim, colocarmos em prática tudo o que lemos até aqui, rumo a uma vida mais satisfatória e em acordo com quem somos.
Abrindo caminho para mudanças
“Dormir bem, beber água, evitar falar sobre assuntos que te causam desconforto, exercitar-se, ler e se alimentar bem são hábitos que abrem espaço para grandes mudanças, além de serem essenciais para nossa vida”, diz Larissa.
Simplificar e realizar aquelas pequenas tarefas mais básicas, constantemente, ajuda a educar nosso cérebro para receber transformações maiores e necessárias para o nosso desenvolvimento.
É desafiador. Mas faz um bem danado quando, de repente, percebemos que só nós mesmos somos os responsáveis por transformar a nossa vida. Das pequenas às grandes mudanças. Um dia por vez.