A saúde mental deveria ser prioridade nas políticas públicas e corporativas de saúde há, pelo menos, três décadas, período no qual os transtornos mentais passaram a figurar como a principal causa de anos vividos com incapacidades no Brasil, segundo dados do Institute for Health Metrics and Evaluation.
Mas esses transtornos, que já atingiram mais de um bilhão de pessoas no planeta, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), somente passaram a receber alguma atenção após o primeiro ano da pandemia de Covid-19, quando ocorreu expressivo aumento de diagnósticos.
Essa maior visibilidade para os desafios relacionados à saúde mental foi muito importante porque reduziu, de certo modo, o estigma em torno do tema.
Não é incomum que as pessoas escondam seus problemas por medo de serem depreciadas ou vistas como frágeis, inadequadas, indesejadas ou improdutivas.
Mas, quanto mais o problema é escondido, mais ele gera danos. O sofrimento só pode ser tratado se ele é visto.
A falta de preparo social para falar sobre o assunto faz com que as pessoas acumulem demandas mentais sem o devido manejo até que o adoecimento se manifesta clinicamente.
Sim, é preciso entender que o estigma é fator de adoecimento.
Para entender a complexidade do tema, é preciso esclarecer que a saúde mental é parte da saúde integral.
Assim, a saúde mental não representa apenas a ausência de transtornos mentais, mais também a saúde física, o bem-estar, a saúde intelectual e a qualidade dos relacionamentos, dentre outros aspectos.
Cultivar saúde mental é importante para a saúde integral das pessoas, em todas as fases e contextos da vida, inclusive no trabalho.
Cotidianamente, os indivíduos são expostos a situações de estresse, medo e ansiedade, nas quais o manejo da saúde mental é uma necessidade.
Essas situações podem ser um dia de prova para um estudante ou o início de um novo trabalho ou a decisão pela transição de carreira no caso de um trabalhador.
Assumir uma dívida grande para comprar um carro ou uma casa, mudar de uma cidade para outra, perder um ente querido ou receber o diagnóstico de uma doença são exemplos de situações críticas que exigem o uso de habilidades para cuidar a demanda e seguir em frente.
Examinando um caso concreto: um profissional de saúde mental recebe uma paciente com diagnóstico de Síndrome de Burnout para uma sessão de emergência.
Ao iniciar o atendimento, a paciente refere que estava a um passo de “pedir a separação”. O terapeuta, ao explorar o caso, percebe que a paciente estava exposta a uma grande sobrecarga e não conseguia manejar as diversas demandas mentais concomitantes.
O pai havia falecido há seis meses em decorrência do Covid-19, e, enquanto vivia o luto, sentia-se pressionada a apoiar a mãe e a gerenciar os negócios deixados pelo pai, em relação aos quais não tinha nenhuma experiência.
Mudou-se com o marido para a casa da mãe, o que gerou mais pressão, pois o casamento teve que se adaptar a essa nova realidade e aos conflitos que logo surgiram.
A trabalhadora doméstica que auxiliava a família estava afastada há 45 dias devido a uma cirurgia.
Durante o período de exposição a todas essas condições, a paciente continuou trabalhando normalmente, até que uma crise a afastou por Burnout.
O que essa história revela é que a saúde mental impacta e é impactada pelo que se vive em todos os contextos de vida, inclusive o trabalho, mesmo quando as demandas não são oriundas dele.
Buscando entender essas inter-relações e seus impactos, o Serviço Social da Indústria (Sesi) mantém um sistema de avaliação em saúde e segurança do trabalhador da indústria conhecido como Metodologia Assti, que permite analisar dados de saúde, estilo de vida e produtividade, gerando conhecimento para intervenção.
O uso desse sistema tem revelado que “A saúde mental é parte essencial da saúde integral, além de influenciar o estilo de vida e a produtividade.”
Essa conclusão foi decorrente de um estudo do Sesi que analisou dados de mais de 120 mil trabalhadores usando uma abordagem de análise de redes.
Os resultados revelaram que “pensamentos negativos e pessimistas”, “incapacidade de relaxar e usufruir do lazer” e “insatisfação com as condições de trabalho” são fatores psicossociais fortemente ligados.
Observou-se também que a depressão é a condição crônica com maior influência tanto em relação ao estilo de vida quanto à produtividade, superando outras comorbidades como a obesidade, a hipertensão e o diabetes.
O professor Mauro Barros, docente e pesquisador da Universidade de Pernambuco, explica que essas evidências permitem deduzir, com boa margem de segurança, que fatores psicossociais e atenção à saúde mental são prioridades ao se pensar em intervenções no âmbito da saúde em empresas do setor industrial.
O estudo realizado pelo Sesi permitiu também determinar estimadores de risco (razão de chances) entre fatores psicossociais e redução da produtividade.
Os resultados revelaram, por exemplo, que homens que preferem relacionamentos interpessoais de baixa qualidade têm um risco duas vezes maior de faltar ao trabalho e três vezes maior de não ter vontade de trabalhar.
Por sua vez, mulheres que preferem exposição a um elevado nível de estresse têm 3,5 vezes mais probabilidade de reportarem falta de disposição e dificuldade de concentração no trabalho.
Esses números servem para ilustrar o impacto que os fatores psicossociais podem ter nesses indicadores de redução de produtividade.
O que essas análises revelam, explica a gerente-executiva de Saúde e Segurança na Indústria, Katyana Menescal, é que investir em saúde mental é importante para promover saúde integral e produtividade entre os trabalhadores, e que esse investimento deve ser encarado como uma prioridade no atual cenário.
O Sesi aposta na saúde digital como principal estratégia, não apenas pelo crescimento da conectividade no Brasil, mas pela capacidade de ganhar escala e ampliar o acesso aos recursos de saúde pelas empresas.
Por Geórgia Antony Gomes de Matos – Psicóloga e especialista em desenvolvimento industrial da Unidade de Saúde e Segurança na Indústria do Sesi.